Os Cogumelos do Caldeirão - Diversidade de fungos superiores em sobreiral

Ana Frutuoso - Associação de Produtores Florestais da Serra do Caldeirão
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Componente fundamental dos ecossistemas florestais, os cogumelos podem constituir uma importante fonte de receita. Na Serra do Caldeirão o seu estudo é uma das linhas de trabalho de um projecto de optimização da gestão dos povoamentos suberícolas.

 

No Algarve, pelos concelhos de São Brás de Alportel, Loulé e Tavira, estende-se o maciço montanhoso da Serra do Caldeirão. É um território maioritariamente florestal e em que predominam os sobreirais densos, em declives por vezes muito elevados. É um ecossistema mediterrânico de características particulares, originando uma flora diversificada e um micobiota associado de elevada riqueza específica.

No âmbito do projecto Agro, Medida 8, “Gestão da vegetação em paisagens suberícolas da serra algarvia para a redução de riscos de incêndio, valorização sócio-económica e conservação da biodiversidade”, realizou-se durante dois anos um estudo sobre a diversidade de fungos superiores, através da identificação dos cogumelos. A informação foi recolhida em 48 parcelas de amostragem e ao longo de duas épocas, Outono-Inverno que vai de Outubro a Fevereiro e a época de Primavera que decorreu nos meses de Abril e Maio (entre 2004 e 2006).

À medida que o frio se intensifica e a chuva vai marcando a sua presença nos serros e vales da Serra do Caldeirão, os cogumelos vão-se mostrando e revelando a diversidade de espécies que vivem bem no interior da floresta. Todos os cogumelos que vão desfilando ao longo da época são peças essenciais para a vitalidade e saúde dos ecossistemas florestais. Eles protegem as árvores de ataques patogénicos e ajudam-nas a obter água e nutrientes (micorrízicos), degradam a matéria orgânica participando activamente no ciclo do carbono (sapróbios), entre outras funções também importantes para o ecossistema florestal.

Os primeiros visitantes do ano micológico aparecem normalmente em Outubro e são, entre outros, várias espécies do Género Boletus e Amanita, bem como o Macrolepiota procera. Logo no início da época surgem cogumelos de grande valor e cogumelos de grande perigo. Só no Género Amanita encontra-se o êxtase gastronómico e a toxicidade máxima, uma vez que a a Amanita caesarea é excelente comestível (Figura 2) e a Amanita phalloides é mortal (Figura 1).


Figura 1 - A tóxica mortal Amanita phalloides


Figura 2 - A deliciosa Amanita caesarea

Em Novembro começamos a ser presenteados com a cor e complexidade do mundo das Russulas e Cortinários, sendo dois grupos com elevado número de espécies e em que a identificação pode revelar-se bastante difícil. Ainda no fim do Outono surgem outros grupos muito interessantes, como os Clitocybes, Tricholomas e Lactarius, sendo que cada grupo se faz representar por diversas espécies, polvilhando de cor os sobreirais do Caldeirão.


Com a intensidade do frio chegam os Cantharellus, onde se destaca o Cantharellus cibarius, embora também se possa encontrar em muito menor quantidade o Cantharellus lutescens e Cantharellus tubiformis. Ainda nesta época surgem o Craterellus cornucopioides e o Hydnum repandum, todos estes bastante apreciados gastronomicamente.


Figura 3 - Cantahrellus cibarius, o cogumelo dos matos antigos.

Por fim, no início da Primavera, voltam a surgir os Boletus, bem como algumas Russulas e Lactarius, podendo no entanto persistir o Cantharellus cibarius, consoante as condições climatéricas.


Figura 4 - A primaveril Russula aurea


Figura 5 - O picante Lactarius piperatus

Assim, a busca de cogumelos, no âmbito do projecto referido, revelou 130 espécies diferentes e mais 31 espécies não identificadas devido à complexidade dos grupos e por vezes também ao estado de deterioração que os cogumelos apresentam quando são encontrados.



Essas 130 espécies representam 34 géneros, na sua maioria ectomicorrízicos mas também incluindo alguns sapróbios, como por exemplo o Agaricus.

O género com maior representatividade nestas amostragens foi o Russula com 15% das espécies, seguido do Cortinarius com 11%, o Lactarius com 7,5%, o Tricholoma com 6% e o Amanita com 4% das espécies.

Por outro lado, a espécie mais abundante no global das amostragens foi o Lactarius chrysorrheus com 159 cogumelos, seguido do Cortinarius sp. secção Triumphantes com 130 e do Cortinarius triviallis com 126 cogumelos.

Os cogumelos Cortinarius triviallis e Lactarius chrysorrheus são também os mais comuns em todo o tipo de matos, surgindo desde áreas lavradas há 1 ano até parcelas com mato não intervencionado há mais de 50 anos, embora sejam ocasionais em matos recém-intervencionados. A espécie Cortinarius sp. secção Triumphantes surgiu apenas uma vez, numa área pequena (100m) e com mato de idade aproximada 15 anos, mas com a abundância de 130 cogumelos.

De facto enquanto algumas espécies são muito adaptáveis e conseguem surgir facilmente após uma intervenção no subcoberto, como uma limpeza de matos, outras necessitam de zonas com maior estabilidade. É este o caso do Cantharellus cibarius que apenas surgiu em áreas cujo mato não é intervencionado há mais de 15-20 anos e cujo valor gastronómico implica um valor económico elevado. Este cogumelo foi vendido em 2006, ao nível do apanhador, entre 10 e 20 euros o quilograma, consoante a quantidade disponível na altura.

Por outro lado, existe a Amanita caesarea que é um autêntico mito entre os cogumelos e portanto atinge, noutros países, um valor económico muito elevado. Este cogumelo apenas surgiu em áreas com intervenção recente, bem como em matos até cerca de 15 anos, desde que existam zonas abertas e alguma folhagem sobre o solo. No entanto, este cogumelo não é vendido pelos apanhadores locais, que não o conhecem como comestível e dizem que nesta serra o vêem há poucos anos.

A Serra do Caldeirão apresenta uma riqueza micológica muito interessante, embora ainda não estejam identificadas todas as espécies, até porque, 2 anos é pouco tempo para ter a certeza que se encontram e registam todos os fungos superiores existentes. Por outro lado, já é possível compreender, que existe uma relação estreita entre a composição e idade dos matos e, as espécies de cogumelos que surgem, bem como a sua abundância.

É importante notar que diversas espécies de cogumelos são altamente tóxicas, podendo o seu consumo conduzir à morte. O portal Naturlink não se responsabiliza por uma eventual incorrecta identificação de espécies de cogumelos baseada em qualquer um dos conteúdos do portal.

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