Impacte de culturas para a fauna na distribuição dos territórios de Perdiz-vermelha

Luís Miguel Reino e Rui Borralho
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A avaliação e gestão do habitat para beneficiar a fauna é uma das áreas mais fascinantes da ecologia aplicada. Aqui descreve-se uma experiência que constituiu um dos primeiro trabalhos investigação deste tipo realizados em Portugal.

A implementação de parcelas de culturas para a fauna é uma medida frequentemente preconizada quando se pretende melhorar a capacidade de suporte do habitat para determinadas espécies, como as cinegéticas. As culturas para a fauna constituem uma das medidas mais populares para a gestão dos recursos faunísticos e são frequentemente utilizadas no nosso País. Estas culturas podem proporcionar inúmeras vantagens, como por exemplo, alimento adicional em alturas mais críticas do ano, coberto para a reprodução, refúgio para protecção de predadores, sombra (Pépin & Blayac 1990). Em Portugal, esta medida de gestão do meio é frequentemente utilizada em áreas agro-florestais de forma a melhorar o habitat para a gestão cinegética onde a agricultura está a sofrer um processo de abandono. A implementação destas estruturas pode proporcionar uma melhoria substancial dos recursos para determinadas espécies, como a perdiz-vermelha Alectoris rufa, contribuindo para o incremento da sua densidade e sucesso reprodutivo, reduzindo fenómenos de dispersão (veja-se Borralho et al. 1997).


O Archino, culturas para a fauna e a gestão de perdizes – um estudo de caso

No âmbito de um projecto realizado pela ERENA e pelo Instituto Superior de Agronomia, nos anos de 1996 e 1997 foram introduzidos na Herdade do Archino (com uma área de 645 há na freguesia da Ota, concelho de Alenquer) um conjunto de culturas para a fauna. Este estudo teve como objectivo a avaliação dos potenciais impactes da implantação das parcelas de culturas forrageiras de Inverno na distribuição dos territórios de perdiz-vermelha na Primavera e Verão seguintes (1997), numa área onde predomina o montado de sobro. Para tal, optou-se por distribuir pequenas parcelas de baixo custo de instalação em áreas de acesso relativamente fácil para as máquinas, como sejam aceiros, cabeços e zonas mais abertas no matagal, evitando intervenções muito onerosas e com impactes mais elevados na área.

Métodos

Para avaliarmos o efeito das culturas na distribuição primaveril e estival das perdizes, comparámos a localização dos seus territórios após a instalação das parcelas com a sua distribuição no ano anterior (antes da instalação) e com a localização de um conjunto de pontos aleatórios, empregando diversas técnicas estatísticas.

Em Outubro de 1996, instalaram-se 32 parcelas de 100x8 m de tremocilha amarga, gramicha e triticale (11, 11 e 10 parcelas, respectivamente), distribuídas ao longo da área de acordo com a seguinte metodologia: dividiu-se a área em quadrículas de 400x400 m, das quais foram sorteadas 32, uma por cada parcela a instalar; as parcelas foram então semeadas em locais de fácil instalação dentro das quadrículas seleccionadas. Os territórios de perdiz-vermelha foram recenseados e cartografados na Primavera e Verão de 1996/97 através do método dos mapas. Juntamente com as observações de perdizes e as localizações de 130 pontos aleatórios, digitalizou-se e incorporou-se num Sistema de Informação Geográfica vectorial (SIG-ArcCAD) um conjunto de variáveis ambientais, nomeadamente, os diferentes usos do solo, rede de caminhos, rede hidrográfica, localizações de bebedouros/charcas e comedouros. Determinou-se o centro geométrico aproximado de cada território de perdiz-vermelha a partir das nuvens de pontos de observações que os definiram (Carvalho e Borralho 1998). Utilizando o SIG e considerando os diferentes níveis de informação, determinou-se para cada um dos centros dos territórios e cada ponto aleatório os valores para um conjunto de variáveis físicas, nomeadamente as distâncias mínimas dos territórios às parcelas de tremocilha; gramicha; triticale; e de parcela de cultura independentemente do tipo.

Para avaliar a influência das parcelas na distribuição das perdizes, realizaram-se testes de análise de variância unifactoriais para as variáveis de distância, em função do factor “tipo de ponto”. Os tipos de pontos considerados foram: pontos aleatórios, territórios de perdizes nas Primaveras de 1996 e 1997, e territórios nos Verões de 1996 e 1997.


Resultados e Discussão

A análise de variância revelou-nos que, quer considerando as variáveis de distância a cada tipo de cultura, quer considerando a distância à cultura mais próxima independentemente do seu tipo, registaram-se diferenças significativas entre as diferentes classes de pontos considerados (aleatórios e territórios de perdiz nas Primaveras e Verões de 1996/97). As distâncias das perdizes às localizações das culturas tenderam sempre a ser menores na Primavera 1997 (altura em que estavam instaladas), registando-se então valores menores das distâncias médias dos territórios das perdizes às parcelas de tremocilha e triticale do que as distâncias médias das parcelas aos pontos aleatórios, o que não aconteceu para a Primavera de 1996, antes da sua instalação. Por outro lado, as distâncias médias dos territórios registadas em ambos os Verões (antes e depois da instalação das culturas), tenderam sempre a ser maiores do que as dos pontos aleatórios, sugerindo que as localizações dos territórios no Verão não foram afectadas pela presença das parcelas.

 


Os resultados sugerem que a implementação das culturas afectou positivamente a distribuição das perdizes na Primavera após a sua instalação, uma vez que as distâncias dos territórios às parcelas na Primavera de 1997 foram significativamente inferiores às das restantes classes de pontos. Por outro lado, a análise de variância indicou que as perdizes não foram afectadas pelas culturas no Verão, já que na época estival os bandos tenderam a juntar-se na zona mais fresca da área de estudo, junto a uma várzea.

A implantação de culturas em manchas florestais poderá aumentar o seu valor para as perdizes. De facto, globalmente os territórios encontravam-se na Primavera de 1997 mais próximos das parcelas do que seria de esperar se tivessem uma distribuição aleatória. Ainda que este estudo não forneça resultados definitivos quanto à validade da instalação de culturas para a fauna como medida de gestão para a perdiz-vermelha em meios agro-florestais, estes sugerem que na Primavera esta é uma medida interessante e barata, sendo importante continuar a testar outras culturas, dimensões de parcelas e noutros tipos de habitat, para se avaliar de forma mais conclusiva a utilidade destas acções de gestão. Esta experiência também nos permitiu concluir que será de todo vantajoso que as parcelas constituídas sejam de maior dimensão do que as apresentadas neste estudo e, nas áreas onde os coelhos ou o gado sejam abundantes, ou constituem uma ameaça às culturas, deverão ser adoptadas medidas eficazes para protecção das culturas.


Bibliografia

Borralho, R., F. Rego e P. Vaz Pinto (1997). Demographic trends of red-legged partridges (Alectoris rufa) in southern Portugal after implementation of management actions. Gibier Faune Sauvage, Game and Wildlife 14: 585-599.

Carvalho, J. e R. Borralho (1998). Produtividade e sucesso reprodutivo de duas populações de Perdiz-vermelha (Alectoris rufa) em diferentes habitats. Silva Lusitana 6: 215-226.

Pépin, D. e J. Blayac (1990). Impacts d’un aménagement de la garrigue et de l’instauration d’un plan de chasse sur la démographie de la perdrix rouge (Alectoris rufa) en milieu méditerranéen. Gibier Faune Sauvage 7: 145-158.

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