A alimentação do texugo na Serra de Grândola

Filipa Loureiro e Miguel Rosalino
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Apesar de classificado como carnívoro, o regime alimentar do texugo não se encontra bem caracterizado para toda a sua área de distribuição. Será que o adjectivo está correcto? O que comem afinal os texugos portugueses?

Nunca, como hoje, o estudo dos mamíferos despertou motivação e empenhamento tão generalizados. Uma razão essencial que parece motivar, por toda a parte, os mamalogistas é a conservação de muitas espécies de mamíferos selvagens, que enfrentam o declínio. Para tal, no entanto, é essencial um conhecimento profundo da biologia e ecologia de cada espécie (Mathias et al. 1998).

Entre os mamíferos, o grupo que mais interesse tem suscitado é o dos carnívoros, pois, por um lado, incluem muitas das espécies ameaçadas e, por outro, como predadores que são, encontram-se no topo das cadeias tróficas, regulando as espécies dos níveis tróficos inferiores e contribuindo para o equilíbrio dos ecossistemas (Krebs 1989). Entre os carnívoros existentes em Portugal, o texugo é um dos que apresenta uma distribuição mais generalizada, estando presente num conjunto diversificado de habitats. Mais do que um predador, o texugo é um verdadeiro explorador, que se adapta perfeitamente aos recursos locais e sazonais existentes.



No Norte da Europa, o estudo da alimentação deste predador é uma área na qual têm sido desenvolvidos diversos trabalhos de investigação, desde à cerca de 30 anos. Nestes países de climas moderados e com muita precipitação, onde se pratica uma agricultura intensiva, as minhocas são o alimento mais consumido. Contudo, nos habitats mediterrâneos, onde o clima é mais quente e se observa uma maior variedade de potenciais recursos alimentares (Ciampalini e Lovari 1985), sabe-se ainda muito pouco acerca da dieta deste animal. A necessidade de determinar a alimentação do texugo surge associada à hipótese da dispersão dos recursos alimentares constituir o principal factor determinante do tamanho dos territórios e do número de animais que neles vive. Na Europa Mediterrânica apenas se realizaram alguns estudos sobre esta problemática (Espanha: Rodríguez e Delibes 1992; Martín, Rodríguez e Delibes 1995; Revilla 1998; Itália: Ibañez e Ibañez 1977; Ciampalini e Lovari 1985; Pigozzi, 1991). Deste modo, o trabalho apresentado justifica-se por dois motivos: por um lado, existe um total desconhecimento acerca da alimentação deste animal em Portugal e, por outro, a área onde este estudo foi conduzido integra-se numa zona dominada por um habitat de elevado interesse conservacionista e único no mundo, o montado de sobro.

A determinação da dieta do texugo foi realizado na Herdade da Ribeira Abaixo (Estação de Campo do Centro de Biologia Ambiental), na Serra de Grândola. Esta serra inclui-se numa das mais vastas áreas de distribuição homogénea de montado, e alberga uma comunidade de carnívoros bastante rica e diversificada. Os montados de sobro e azinho não só representam um dos grupos de habitats mais importantes para a conservação da fauna silvestre portuguesa, como possuem grandes potencialidades de valorização económica, nomeadamente no campo da cinegética (Palma et al. 1986).



Iniciou-se, então, o trabalho com a procura de indícios de presença de texugos na área de estudo. Estes animais vivem em grupos sociais no subsolo, num complexo sistema de tocas que eles próprios escavam (Roper 1992; Neal e Cheeseman, 1996), e defecam, urinam e efectuam marcações odoríferas em latrinas que parecem ter funções territoriais (Roper et al. 1993). As latrinas consistem em pequenos buracos no solo, com cerca de 10 cm de profundidade, podendo encontrar-se muito próximas dos complexos de tocas ou estrategicamente localizadas nos limites do território do grupo social (Neal e Cheeseman 1996). Assim, durante esta prospecção inicial, procuraram-se principalmente tocas e latrinas de texugos. As latrinas descobertas foram marcadas e numeradas e, posteriormente, foram visitadas quinzenalmente, por forma a recolher-se o seu conteúdo. Os dejectos recolhidos foram levados para um laboratório, onde foram posteriormente secos numa estufa e desagregados, de modo a separar os restos alimentares não consumidos. Entre estes foi possível encontrar asas e patas de insectos, restos de larvas, dentes de roedores, pêlos de mamíferos, ossos de répteis e anfíbios, sementes de frutos, etc. É a partir destes restos que se identificam os alimentos consumidos, da forma mais específica que for possível.

Observou-se que o texugo inclui na sua dieta uma grande variedade de recursos na Serra de Grândola, tendo sido identificados, pelo menos, 55 tipos de alimentos diferentes. Os frutos e os artrópodes (principalmente insectos) constituem a base da alimentação deste animal, correspondendo a cerca de 90 % do número de alimentos ingeridos. Os mamíferos são a terceira classe de presa mais consumida, com cerca de 2%, distribuindo-se a restante percentagem por diversas categorias: anelídeos, moluscos, anfíbios, répteis e aves. Entre os frutos mais consumidos, são de destacar as pêras, as azeitonas e as bolotas. Em relação aos artrópodes, os grilos, os coleópteros (escaravelhos) e as larvas são os preferidos. Os ratos, especialmente os ratos cegos mediterrânicos, são os mamíferos que sofrem maior predação.

Uma vez que os dejectos foram recolhidos quinzenalmente, foi possível averiguar a existência de diferenças na alimentação do texugo ao longo do tempo e nas diferentes estações do ano. Observou-se que, de um modo geral, o Inverno e a Primavera apresentaram resultados muito semelhantes, havendo um grande consumo de artrópodes. No Verão, são os frutos os mais consumidos. De momento, os dados relativos ao Outono não estão disponíveis, por se encontrarem ainda em fase de processamento.



Tentou-se, ainda, averiguar a existência de diferenças na alimentação dos texugos dos diferentes complexos de tocas, mas não se chegou a nenhuma conclusão. Aparentemente, nesta área, a dieta dos diferentes grupos sociais é muito semelhante.

A avaliar pela diversidade de grupos de artrópodes ingeridos (de pequeno tamanho e aleatoriamente distribuídos) estes devem ser consumidos de um modo oportunístico, sendo encontrados acidentalmente durante as actividade de exploração. Pelo contrário, os frutos (de grande tamanho e concentrados em zonas específicas e previsíveis) provavelmente são procurados, tal como é sugerido pela coincidência das épocas de amadurecimento e a sua ocorrência nas fezes (Rodríguez e Delibes 1992).



Kruuk (1989) afirma que “se os elefantes vivessem na Europa, seria muito provável que mais tarde ou mais cedo, passassem a fazer parte de dieta do texugo”. Esta frase por si só dá a ideia da grande variedade de alimentos que este carnívoro consome e do seu comportamento oportunista. Assim, a explicação mais simples para a dieta do texugo é que o consumo de diferentes alimentos é determinado primariamente pela suas vantagens relativas, isto é, pelo balanço entre o benefício nutricional deles derivado e o custo em termos de tempo e energia necessários para os encontrar e consumir (Roper 1994). Outros factores, como a novidade, o paladar e o hábito, também afectam a selecção alimentar, mas a sua importância é provavelmente menor (Mellgren e Roper 1986; Lüps, Roper e Stocker 1987). Parece razoável sugerir que, tendo em conta os resultados acima mencionados, o texugo parece ajustar-se às flutuações dos seus recursos, alterando a sua técnica exploratória e/ou a sua selecção alimentar, de modo a maximizar a ingestão dos alimentos disponíveis, comportando-se assim como um generalista e não como um especialista. Por outras palavras, na Serra de Grândola, os texugos alimentam-se dos recursos que estiverem mais prontamente disponíveis num determinado local, a dada altura do ano.



Bibliografia

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