Expansão do Bico-de-lacre

Luís Miguel Reino
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O Bico-de-lacre é uma ave africana que foi introduzida nos anos sessenta próximo de Lisboa, ocorrendo hoje numa fracção significativa de Portugal continental. Veja como se tem verificado essa expansão e as preocupações que levanta.

O Bico-de-lacre Estrilda astrild é uma espécie originária do continente africano, ocorrendo em toda a região situada a sul do paralelo 10º N, onde é essencialmente sedentária. Na Europa, foi introduzida pela primeira vez em Portugal no ano de 1964. Em Espanha, já foi observado em diversas regiões, tanto como resultado de introduções locais como, consequência da expansão que sofreu a partir do território português desde o final da década de 70.

Surgiram algumas dificuldades em explicar as verdadeiras causas da ocorrência do Bico-de-lacre em Portugal, sabendo-se porém que a espécie foi deliberadamente libertada por "passarinheiros", em pelo menos três locais distintos: Oeiras, Óbidos e Vila Franca de Xira e posteriormente no Algarve.

As populações de Bico-de-lacre actualmente existentes na Península Ibérica são essencialmente sedentárias. Fora da época de reprodução, a espécie é gregária, agrupando-se frequentemente em pequenos bandos.

Com vista a caracterizar a distribuição do Bico-de-lacre, foram coligidos inúmeros dados com as mais diversas origens referentes à presença desta espécie em Portugal Continental. Para tal, recorreu-se a diversas referências bibliográficas e à elaboração de pedidos de informação, por forma, a obter um mapa de distribuição o mais realístico possível. Posteriormente, a informação recolhida foi mapeada numa grelha 20 por 20km e em períodos de 4 anos com início em 1964-67 e final em 1996-99 (Fig. 1).



A COLONIZAÇÃO

O mapa que se apresenta evidencia a forma como o Bico-de-lacre foi ocupando, progressivamente, o território nacional, desde a sua introdução no final da década de 60.


A espécie, introduzida inicialmente na região do Oeste, invadiu rapidamente a bacia hidrográfica do Tejo e, pouco tempo depois, as bacias do Sado e do Mondego. Verificou-se ainda a presença da espécie na região de Faro que, provavelmente, teve origem numa introdução local, distinta da ocorrida na região Oeste.

Na primeira metade da década de oitenta, deu-se a colonização quase completa das bacias dos rios Tejo e do Sado, e também do Algarve, contudo esta última aparentemente ainda se apresentava isolada até meados da década de 80. Por outro lado, na região centro, verificou-se uma ocupação quase contínua de todo o litoral a sul do Mondego, bem como, de forma menos contínua, da faixa costeira para norte desta zona, até à fronteira com a Galiza. Na segunda metade dos anos oitenta, a espécie foi observada pela primeira vez no sector alentejano da bacia hidrográfica do rio Guadiana (distrito de Portalegre), havendo também uma ocupação quase contínua de todo o litoral norte até à Galiza (província de Pontevedra).

Finalmente, no início dos anos 90, foi possível constatar a ocupação de uma grande parte do Baixo Alentejo, verificando-se uma distribuição contínua ao longo do litoral sul, existindo também novas observações na bacia do Guadiana (distritos de Portalegre e Beja). Por outro lado, começa a manifestar-se uma ocupação progressiva da região norte, do litoral para o interior.

Estes dados permitem-nos verificar que, actualmente, o Bico-de-lacre se distribui, de uma forma quase contínua, ao longo de toda a costa portuguesa, desde Caminha (Alto Minho, distrito de Viana do Castelo) até Vila Real de Santo António (Algarve, distrito de Faro). No interior de Portugal encontra-se relativamente bem distribuído na metade sul do território, enquanto que, no Norte, possui um carácter mais localizado, ocorrendo nas bacias hidográficas dos rios Minho, Lima, Cávado, Ave e Douro. Estes resultados evidenciam que a a distribuição desta espécie exótica, é largamente influenciada pela topografia do país.



RAZÕES PARA O SUCESSO

A expansão do Bico-de-lacre foi mais rápida ao longo da metade norte do país. Tal facto, poderá dever-se a uma maior disponibilidade de habitat. A partir da região oeste do país, o Bico-de-lacre expandiu-se à velocidade de cerca de 13 km por ano para norte e de 6 km por ano para sul.

O sucesso da sua distribuição em vários locais de Portugal, é em parte justificado pela existência de biótopos com algumas condições ambientais similares aos das regiões de origem (por ex. temperatura, humidade, vegetação, locais de nidificação e disponibilidade de alimento) o que contribuiu para sua rápida aclimatação e adaptação. Os aspectos de reprodução também tiveram a sua importância, destacando-se o facto da espécie nidificar durante a maioria dos meses do ano, realizar várias posturas, e das suas ninhadas serem constituídas por 5 a 7 juvenís. Em Portugal, nidifica entre os meses de Fevereiro e Novembro, com o máximo a registar-se entre os meses de Abril e Julho.

A distribuição actual do Bico-de-lacre, coincide em grande medida com a região mediterrânica. No Noroeste também ocorre na região eurosiberiana. Esta distribuição pode dever-se a duas razões: uma maior termicidade destas áreas, isto é, zonas mais quentes, e a existência de habitat favorável com comunidades vegetais semelhantes e com disponibilidade de alimento ao longo do ano.
Nidifica numa grande variedade de biótopos, como caniçais compostos por Phragmites communis, canaviais Arundo domax, matas ripícolas com denso coberto arbustivo e uma grande diversidade de sebes normalmente em agro-ecossistemas, de preferência bem desenvolvidos e próximos de água.

Actualmente, desconhece-se se a presença do Bico-de-lacre prejudica alguma espécie nativa da nossa fauna ornitológica ou mesmo se tem algum impacto na agricultura. Contudo, e uma vez que impactos negativos de espécies exóticas não são de todo raros, urge investigar se esta pequena ave tem algumas consequências no meio ambiente.

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PEDIDO DE INFORMAÇÃO

Este estudo sobre a evolução da distribuiçãodo Bico-de-lacre em Portugal está ainda em curso. Pretende-se com este trabalho, caracterizar a distribuição e expansão desta espécie através do registo da sua distribuição em períodos de 4 anos a começar em 1964 e a terminar no presente ano. Para a caracterização da distribuição do Bico-de-lacre, está-se a utilizar as quadrículas UTM 10 por 10 km. Agradece-se o envio de informação sobre localizações de Bicos-de-lacre, indicando sempre que possível a referência das quadrículas assim como a data, localidade e estatuto da espécie.

As observações podem ser enviadas para

Luís Miguel Reino
ERENA
Av. Visconde Valmor
Nº11-3º
1000-289 Lisboa

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