A actividade dos Florestais

José Guilherme Borges
Imprimir
Texto A A A

As práticas florestais são decisivas para o usufruto e conservação dos recursos naturais. Só uma elevada capacidade técnica e científica permite lidar com esta responsabilidade, mas há equipas portuguesas que são referência internacional nesta área.

O SÍNDROMA DE PETER PAN E A IMPORTÂNCIA DE UMA GESTÃO FLORESTAL ACTIVA

A inadequação de algumas utilizações da floresta conduziu à degradação ecológica e socioeconomica em vastas regiões no mundo. A evidência das consequências negativas destas intervenções a um nível local e a percepção do respectivo impacte a um nível global (por ex. efeito de estufa) oferecem por vezes uma base para a argumentação em favor da não intervenção na floresta. No entanto, esta visão reflecte uma perspectiva preservacionista que não se deve confundir com uma perspectiva de conservação dos recursos naturais (Borges 1999). A nostalgia não é sinónimo de uma nova ética relativa à intervenção sobre os ecossistemas. O síndroma de Peter Pan revelado em perspectivas de preservação dos ecossistemas florestais poderá representar a pior opção para a conservação dos recursos. Porquê?

Kimmins (1997) distinguiu duas fases nos processos que conduzem à conservação dos recursos naturais. A primeira, caracteriza-se em termos genéricos pelo activismo ambientalista, por afirmações cientificamente mal fundamentadas e por visões catastrofistas que apelam a medos irracionais de um público frequentemente mal informado. Em alguns casos, a perspectiva preservacionista característica desta fase desenvolve-se como uma reacção compreensível face a (1) estruturas de poder inaceitáveis ou obsoletas que suportam práticas de gestão inadequadas e com custos sociais elevados e/ou a (2) insuficiências do mecanismo de preços de mercado para o confronto eficaz de preocupações com a distribuição de riqueza ou com a conservação de alguns bens ambientais (Borges 1999).

A obsolescência institucional e a imperfeição do mercado podem conduzir a uma legitimação da desigualdade social e do desperdício. Neste contexto, a importância do activismo político e ambientalista resulta da sua contribuição para a criação de condições para a reforma institucional e para o desenho de políticas de regulação da utilização dos recursos naturais. No entanto, como refere Kimmins (1997), a conservação de facto dos recursos naturais não resulta directamente da primeira fase de activismo ambientalista. É necessária uma segunda fase de análise cientificamente fundamentada dos problemas ecológico-económicos e sociais em cenários alternativos de utilização da floresta. Sem ela, os objectivos de conservação poderão não ser alcançados. Na generalidade das situações é necessária uma gestão florestal activa, ainda que o seu objectivo predominante seja a conservação da biodiversidade ou a garantia da estabilidade de comunidades locais (Borges 1999).

A GESTÃO FLORESTAL E A SUSTENTABILIDADE DOS RECURSOS NATURAIS

As florestas foram sempre uma fonte de bens e serviços diversos para as sociedades humanas. No entanto, o momento histórico em que se afirmou o recurso ao método científico na gestão florestal coincidiu com a época (séc. XIX) em que predominaram preocupações com a sustentabilidade de um produto florestal específico - a madeira. Em consequência, a actividade dos Florestais privilegiou no passado o objectivo de conseguir a estabilidade da oferta de lenho (Borges 1999). Neste contexto, os Florestais foram pioneiros na adopção de perspectivas de sustentabilidade da utilização dos recursos naturais no longo prazo.

Entretanto, o desenvolvimento socioeconomico e as tendências de evolução demográfica determinaram preocupações com a sustentabilidade de outros recursos naturais (e.g. bravio, biodiversidade) e deram origem a novas percepções do recurso florestal. Para além disso, a actividade dos Florestais decorre hoje num contexto em que considerações éticas e políticas configuram um processo de decisão que se pretende participado. Este reflecte a diversidade de interesses económicos em recursos naturais e de percepções culturais da própria sustentabilidade do ecossistema florestal (Borges 1999).

Este quadro evidencia que a regularidade do fluxo temporal de um produto florestal específico não é hoje sinónimo de sustentabilidade dos recursos naturais, isto é, não é um indicador adequado para avaliar o impacte da actividade dos Florestais sobre o bem estar e a sobrevivência das gerações actual e futuras. Ele sugere a integração das interpretações ecológica e socioeconómica do conceito de sustentabilidade, ao longo de uma hierarquia de escalas espaciais de intervenção. A sustentabilidade em gestão de um pequeno bosque envolve considerações distintas das que se aplicam em gestão sustentável de uma mata de grande dimensão. Estas, por sua vez, serão distintas daquelas que são pertinentes em gestão florestal sustentável de uma paisagem ou de uma região. Esta diferença decorre, por exemplo, da maior ou menor facilidade de substituição do capital natural (Borges 1999). Em consequência, o contributo decisivo da actividade dos Florestais para a conservação dos recursos naturais pode ser hoje avaliado com recurso a indicadores, modelos e aplicações tecnológicas seleccionados em função da escala espacial da intervenção.



INVESTIGAÇÃO, APLICAÇÃO TECNOLÓGICA E SUSTENTABILIDADE DOS RECURSOS NATURAIS

A investigação desenvolvida pelo Grupo de Economia e Gestão dos Recursos Florestais (GEGREF) do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa tem como objectivo principal o desenho de modelos e a programação de aplicações tecnológicas em gestão sustentável de ecossistemas florestais. Estes instrumentos realizam e aplicam uma síntese do conhecimento interdisciplinar em recursos naturais (e.g. silvicultura, ecofisiologia, hidrologia, biometria, ordenamento cinegético, ordenamento para recreio) ao processar de forma eficiente e eficaz todos os dados e informação disponíveis para apoiar a actividade dos Florestais e para facilitar a comunicação entre grupos e cidadãos com interesse em recursos florestais.

O desenho de modelos e a programação de aplicações tecnológicas pelo GEGREF envolveu directamente os utilizadores - as principais instituições florestais portuguesas. Para além disso, beneficiou da colaboração com instituições que são líderes mundiais nesta área (como o College of Natural Resources da Universidade de Minnesota, E.U.A.). Estes instrumentos foram testados com recurso a dados relativos aos principais ecossistemas florestais portugueses. O sucesso deste sistema de apoio à decisão florestal (sadFlor) decorre da facilidade de actualização que é garantida por uma estrutura modular que envolve:

Figura 1. Formulário em interface do sistema de gestão de informação inFlor.



- Um sistema de gestão de informação - inFlor (Figura 1) - que pretende (1) contribuir para a definição de um padrão para a recolha e organização de dados florestais em Portugal e (2) definir um sistema flexível, capaz de produzir informação de forma eficiente e de consulta eficaz por utilizadores diversos. A padronização dos dados e a generalidade da utilização oferecem a possibilidade de comunicação interdisciplinar e de comunicação entre grupos com interesse em recursos florestais (Miragaia et al. 1999).

- Um simulador de alternativas de gestão - sagFlor (Figura 2) - que integra um conjunto de programas que processa dados florestais organizados no sistema de gestão de informação inFlor. Este sistema oferece um interface para a simulação interactiva de intervenções sobre a floresta. O processamento dos dados inclui a projecção no tempo dos resultados daquelas intervenções e a preparação de informação a utilizar pelos modelos de decisão (Borges e Falcão 1999).

Figura 2.Formulário do interface do simulador sagFlor.


- Um conjunto de modelos de gestão - decFlor (Figura 3) - que integra indicadores para analisar o impacte da intervenção florestal sobre a conservação dos recursos naturais. A opção por um modelo ou outro decorrerá das escalas temporais e espaciais envolvidas. Neste momento, este módulo permite a solução de problemas muito complexos de gestão de ecossistemas florestais.



Figura 3. Formulário de interface de visualização de solução de modelo de gestão


Este sistema de apoio à decisão tem a flexibilidade adequada para o confronto dos desafios que se colocam hoje à actividade do Florestal. A modelação e o recurso a tecnologias de informação são hoje indispensáveis para adquirir mais conhecimento sobre os ecossistemas florestais, para apoiar a actividade do Florestal no âmbito da conservação dos recursos naturais e para facilitar a comunicação entre grupos e cidadãos com interesse em recursos florestais. Informação mais detalhada sobre a actividade de investigação do GEGREF está disponível em floresta.isa.utl.pt/gegref/

Comentários

Newsletter