Conservação da biodiversidade e a Rede Natura 2000 em Portugal

Miguel Araújo
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É o conflito entre produção e conservação inconciliável?
No cerne do conflito que envolve a selecção de áreas para a Rede Natura 2000 estão lógicas contraditórias. De um lado está o sector da conservação. A lógica é o da maximização da área afecta à Rede. Do outro lado está o sector de produção. A lógica é o da minimização da área afecta à Rede. À pergunta - "Qual a área necessária para assegurar os objectivos da Rede?" - impõe-se uma resposta de natureza técnica. Porém, para que a solução técnica seja socialmente aceite é necessário responder a questões lícitas, como: - Quem paga os custos da política de conservação?

Infelizmente esta pergunta não foi devidamente esclarecida durante o período de consulta pública. Que poderiam os proprietários das áreas opinar quando se vislumbram mais restrições sobre o uso do território, sem que qualquer esclarecimento fosse dado em matéria de medidas compensatórias? Os mais optimistas - e conhecedores do funcionamento da União Europeia - prevêem que sejam criadas linhas de financiamento, Europeias, específicas para a gestão dos sítios Natura 2000. Os lobbies ambientalistas defendem que este financiamento deva ser proporcionado através de uma transferência de verbas associadas à produção agrícola para o sector da conservação. Assim, por exemplo, em vez de se atribuir ao agricultor um subsídio para produzir 100 hectares de girassol, pode-se financiar a "produção" de um total de 15 abetardas, 2 casais de águias caçadeiras e 3 trigueirões por hectare. As soluções possíveis são muitas e as receitas são poucas.

O conflito é sintomático de uma política de conservação em que se confrontam valores, legítimos, de grupos sociais com necessidades diferentes. Os urbanos carecem de um espaço "natural" à medida das suas necessidades espirituais. A extinção de espécies e o desaparecimento de habitats é um relembrar constante de que a civilização caminha num sentido de ruptura com um passado de convivências, mais ou menos conflituosas, com os nossos parceiros biológicos de evolução. A questão colocada é: -"Quereremos nós viver num mundo simplificado e dominado apenas pelos nossos simbiontes (p. ex. cães, gatos, ovelhas, vacas e outros amigos) e competidores (p. ex. baratas, gafanhotos, ratazanas, moscas e outras criaturas que beneficiam dos desertos biológicos por nós criados)? Ou queremos nós encontrar uma harmonia entre o nosso desenvolvimento e a persistência de outras formas de vida no planeta? - Os rurais usam o campo como ganha pão. Logo, encaram este espaço numa óptica de produção de valores materiais mais do que espirituais. Não obstante, foram eles os responsáveis pelas paisagens que queremos preservar. Desta forma não é sem eles mas com eles que temos que pensar a política de conservação. Entremeio estão as gerações futuras. As que não opinam - porque não podem - mas que têm o direito de usufruir das mesmas opções de desenvolvimento material e espiritual que as gerações actuais. Para que tal aconteça temos de lhes legar um património biológico integro.

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