Alto Douro Vinhateiro

Sara Otero
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Vamos tentar dar a conhecer melhor esta região tão fascinante, que foi a primeira região vitivinícola do mundo a ser demarcada e que foi classificada como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO.

"O vinho é, no Douro, a memória de todos, o fio condutor de gerações. O vinho está presente do modo mais indelével que seja: nas consciências e nos sentimentos. Mas também reina na paisagem, naqueles formidáveis socalcos que, montanha acima, acabaram por lhe dar forma e feitio.(...) Duas forças colossais fizeram o Douro que está diante dos nossos olhos: a do rio e a dos homens.(...) Visto do ar, dos vales ou do leito do rio, o que se vê é sempre obra do homem." (in "Douro" de António Barreto).
 
 
A região do Douro foi a primeira região vitivinícola do mundo a ser demarcada, permitindo deste modo a identificação, desde o século XVIII, do vinho do Porto com uma região bem definida, a região do Alto Douro. Vários anos mais tarde, décadas, os Franceses fizeram o mesmo demarcando, ou seja, dando identidade, ao Bordéus, depois ao Borgonha, ao Champagne e outros. Os Italianos e os Espanhóis, seguiram este passo, e depois ainda outros.

Mais uma vez, citando António Barreto, "No Douro os homens desfizeram a pedra, fabricaram a terra, levantaram muros, construíram milhares de quilómetros de socalcos, serra acima, vale adentro, ..., saltaram os rios, procuraram água e marcaram sítios para viver. Plantaram, enxertaram, podaram as vides, colheram as uvas, pisaram, trasfegaram, transportaram, fizeram o vinho(...). E o vinho fez uma região, fez os solares, as quintas e os casebres. Fez os lagares e os cardenhos; as pipas e os rabelos; os ricos e os pobres. Nada de importante, no Douro, é independente do vinho."

Nesta região, repleta de locais com interesse patrimonial, histórico, cultural, gastronómico e paisagístico, o visitante parte à descoberta do Douro, dos seus habitantes, dos seus viticultores, das suas Quintas, já integradas em pacotes turísticos completos, como é o caso da Rota do Vinho do Porto que congrega 54 locais de reconhecido valor turístico, das Caves de Vinho do Porto situadas em Vila Nova de Gaia onde os visitantes podem apreciar os seus diversos tipos de Vinho do Porto, dos Solares do Vinho do Porto em Lisboa e no Porto, locais que pertencem ao Instituto do Vinho do Porto, onde o visitante também tem a oportunidade de provar os diferentes tipos de Vinho do Porto.

 

Os Instituto do Vinho do Porto, a Casa do Douro e os Órgãos Regionais de Turismo do Vale do Douro, inauguraram em 1996 a Rota do Vinho do Porto, sendo seleccionados e devidamente inscritos 54 locais, situados na Região Demarcada do Douro e freguesias limítrofes, que se encontram directa ou indirectamente relacionados com a cultura vitivinícola: Produtores engarrafadores, Adegas Cooperativas, Comerciantes de Vinho do Porto e Douro, Enotecas, Turismo em Espaço Rural e Centros de Interesse Vitivinícola. Assim, o visitante poderá encontrar desde o pequeno viticultor ao grande produtor de vinhos da Região Demarcada do Douro podendo visitar as vinhas e adega, provar e comprar vinho e participar em vários trabalhos vitícolas: como a vindima e a pisa em lagar. É possível visitar os locais que constituem a Rota do Vinho, obtendo informações no Gabinete da Rota, localizado nas instalações do Vinho do Porto, em Peso da Régua, ou nos postos de turismo da Região.
 
A região do Alto Douro é rica em vestígios históricos, como as antas e dólmenes, torres de menagem, castelos medievais, pelourinhos, igrejas dos séculos XI a XVII e casas solarengas dos séculos XVIII e XIX. Se depois de ler este artigo tiver vontade de conhecer, ou reconhecer, esta região, recomenda-se que sempre que lhe seja possível desça aos vales e suba às colinas, pois com quase toda a certeza, encontrará igrejas medievais ou barrocas e solares, podendo obter maravilhosas vistas de toda a região. Alguns locais de referência são Mesão frio, Santa Marta de Penaguião, Sabrosa, Pinhão, Vila Real, Favaios, Alijó, Murça, Carrazeda de Ansiães, Vila Flor, Torre de Moncorvo, Alfândega da Fé, Freixo de Espada à Cinta, Vila Nova de Foz Côa, São João da Pesqueira, Tabuaço, Armamar e Lamego.

A região do Alto Douro situada no nordeste de Portugal, na bacia hidrográfica do Douro, ocupa uma área total de cerca de 250.000 ha, ocupando a vinha uma área efectiva de cerca de 15,4% da área total. Esta área é trabalhada por aproximadamente 33 000 viticultores, em geral pequenos produtores que têm um grande peso na produção de Vinho do Porto, possuindo cada um deles, em média, cerca de 1 ha de vinha. No entanto, da totalidade da superfície plantada com vinha, somente 26.000 ha estão autorizados a produzir Vinho do Porto. As vinhas aptas a produzir são seleccionados por um critério qualitativo e classificadas, tendo em consideração parâmetros edafo-climáticos e culturais, com importância determinante no potencial qualitativo das parcelas.

A região caracteriza-se por ter Invernos muito frios e Verões muito quentes e secos, sendo grande a influência que exercem as serras do Marão e de Montemuro, servindo como barreira à penetração dos ventos húmidos de oeste. No entanto, no Douro as estações do ano são os ciclos da vinha e do vinho.
A viticultura desenrola-se em condições climatéricas bastante adversas, em solos pedregosos, tendo existido necessidade de recorrer a técnicas de armação do terreno em socalcos nas zonas de maior declive para se proceder à instalação da vinha. As formas de condução da vinha tentam ajustar a influência do clima e do solo às necessidades da planta e aos objectivos de produção.

Antes da chegada da filoxera, praga que surgiu na região pela primeira vez em 1862, provocada por um insecto que causa sérios danos nas videiras europeias, as plantações eram feitas em pequenos terraços irregulares, com 1-2 filas de videiras, suportados por paredes de pedra. As paredes dos socalcos eram construídas com as pedras tiradas do terreno, dependendo a sua altura da inclinação da parcela. Estes terraços foram posteriormente abandonados e constituem hoje os designados "mortórios". Após a filoxera, foram feitos novos terraços, mais largos e inclinados, com ou sem paredes de suporte, surgindo também a vinha plantada em declives naturais, segundo a inclinação do terreno, a designada Vinha ao Alto, podendo o trabalho ser mecanizado.

No princípio do século XVIII, os comerciantes e produtores, antes do embarque do vinho ou depois de este ser feito, acrescentavam-lhe pequenas quantidades de aguardente; também nesta altura, a aguardente começou a ser utilizada para parar a fermentação, dando origem ao moderno Vinho do Porto.

 

O Alto Douro e a viticultura constituíram no século XVIII um dos pólos importantes de modernização da economia e administração pública, tendo sido também uma das primeiras regiões portuguesas a ficar estruturalmente ligada ao estrangeiro, devido ao comércio e investimento externo.

A segunda metade do século XIX foi a época das pragas e das doenças. Em 1851 aparece o oídio, permanecendo durante cinco a dez anos, conforme as regiões, até ser correctamente combatido. Nessa altura perde-se, em termos globais, cerca de 50% da produção anual de vinho, existindo locais onde o prejuízo pode ter sido de 80 a 90%.

Em 1868 surge pela primeira vez a filoxera, durando mais de vinte anos até se ter encontrado a solução para o combate a esta doença, neste caso as enxertias em cepas de origem americana, imunes ao insecto. Esta praga foi a maior de todas, tendo-se propagado muito rapidamente. Muitas quintas e terras foram abandonadas, levando à emigração de muitos lavradores, muitos proprietários venderam as suas terras ao desbarato. Na realidade, esta doença foi um dos factores poderosos de transformação fundiária e social da história do Douro.

A sucessão de doenças e pragas nas vinhas do Douro teve ainda como consequências a alteração significativa de algumas práticas culturais, como por exemplo a utilização de porta enxertos americanos, que vieram implicar a introdução da enxertia, assim como a selecção de castas para enxertia. A introdução da vinha americana trouxe também outras exigências na preparação do terreno, na plantação e na adubação.

No começo do século XX a qualidade do Vinho do Porto tinha-se deteriorado, apresentando uma baixa reputação.
 
 
Desde 1972 e até aos anos 90, o sector do Vinho do Porto registou um crescimento a nível das quantidades produzidas, em valores e volumes exportados, em valor unitário de produção e exportação, tendo sido neste período que se verificou a ocorrência de transformações fundamentais no processo produtivo, com relevância para o engarrafmento, o aparecimento de vinhos de quinta, a plantação de novas vinhas, a mecanização da viticultura e a modernização dos processos de fabrico.

Grande parte do vinho novo destinado à comercialização era transportado do vale do Douro para Vila Nova de Gaia, tendo sido no passado o rio a única via de transporte. Os barcos rabelos, embarcações de fundo chato e vela quadrada, eram carregados com pipas, realizando uma viagem longa e arriscada através das águas quase sempre tumultuosas. A área ribeirinha de Gaia era uma zona dentro da cidade do Porto consagrada ao Vinho do Porto. O Entreposto de Vila Nova de Gaia é ainda hoje uma área eleita para o envelhecimento, preparação de lotes, engarrafamento e expedição do Vinho do Porto, onde está instalada a maioria dos armazéns das empresas exportadoras, alguns deles com séculos de existência, como a Kopke, Burmester, Sandeman e Croft. Até 1986, todo o Vinho do Porto tinha que ser comercializado a partir de Vila Nova de Gaia. No entanto, nova legislação entrou em vigor, abrindo a possibilidade de comercialização a partir da região demarcada, passando alguns viticultores a comercializar directamente a sua produção, valorizando o conceito de "Produzido e Engarrafado na Origem".
 
 
O Vinho do Porto tem desempenhado um importante papel na economia portuguesa, em especial devido ao seu impacto na balança comercial. Até 1963, o Reino Unido foi o principal importador de Vinho do Porto, tendo sido ultrapassado nesse ano pela França, em 1982 pela Bélgica-Luxemburgo e em 1991 pela Holanda. Quando, em meados da década de 80, Portugal aderiu à Comunidade Europeia, 94% das exportações passaram a ter como destino a Comunidade. Actualmente a França continua a ser o maior mercado com uma quota de mais de 30% do total comercializado, seguindo-se o mercado holandês, português e belga, cada um com um peso que oscila entre os 12% e os 15%. Presentemente, o Reino Unido surge em 5º lugar, consumindo cerca de 10% do total.

Curiosidades:

Os vinhos do Porto apresentam aromas diferentes, de acordo com o tipo e duração do envelhecimento: os mais jovens, de aroma frutado, adaptam-se às mais diversas ocasiões, enquanto que os Tawny velhos, com 20 ou mais anos, assim como os Data de Colheita ou os Vintage, de aromas mais complexos, requerem situações com alguma solenidade.

À mesa, o Vinho do Porto permite estabelecer múltiplas harmonias. Assim, os brancos, servidos frescos, constituem um aperitivo ideal, ligando bem com canapés de peixe fumado, carnes frias, marisco e também com queijo fresco de ovelha e de cabra. Adaptam-se, também, aos "cocktails": juntando água tónica em proporção igual, dois cubos de gelo e uma rodela de limão. Os restantes ligam perfeitamente com frutos secos, presunto serrano, e pratos de caça, fazendo uma excelente combinação com grande parte dos queijos nacionais (Serra, Serpa, Azeitão, Rabaçal, Ilha).

A versatilidade das associações gastronómicas com os vinhos do Porto abrange também as sobremesas, como as tartes de fruta, pudins leves e bolos pouco doces e sorvetes, ligando também bem com o chocolate e com frutas frescas. No entanto, a hora de glória dos vinhos do Porto atinge-se chegado o momento de saborear pausadamente um Tawny velho ou um Vintage, expressão máxima dos vinhos do Alto Douro, partindo-se desta forma à descoberta das suas múltiplas subtilezas.

Nota:
Este artigo não teria sido realizado sem a consulta do livro:
Barreto, A. (1993). Douro. Edições Inapa.

 

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