Uma visita botânica ao Cabo da Roca

Pedro Bingre (texto) e José Romão (fotos)
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Fotografias de José Romão
 

 

 

 

 

 

 

 

Numa estreita faixa paralela às arribas, todavia, as ditas condições de solo e clima são mais específicas. O solo é mais delgado e, nalguns pontos a norte da Praia da Ursa, assenta sobre rochas calcárias (enquanto que o Cabo da Roca propriamente dito assenta sobre granitos). Muitas espécies vegetais são avessas a solos ricos em carbonatos (caso de muitos derivados de calcários), como é o caso do sobreiro; outras espécies, pelo contrário, são-lhes atreitas: é o caso de arbustos como o carrasco (Quercus coccifera). Por seu turno os ventos, muito fortes, depositam partículas de sal -a chamada salsugem- sobre as folhagens, ameaçando-as permanentemente de dessecação por difusão osmótica. Para além disso, a própria pressão mecânica eólica molda os arbustos em contornos baixos e aerodinâmicos, ditos "pulviniformes" (literalmente, "em forma de almofada"), impedindo o surgimento de um verdadeiro estrato arbóreo. Por isso os carrascos (Quercus coccifera), as sabinas-das-praias (Juniperus turbinata) e as aroeiras (Pistacia lentiscus) têm aqui formas tão impecavelmente boleadas.

E se a vegetação destas arribas é já de si de baixa estatura, a sua mais notável planta é também, provavelmente, uma das mais discretas. Atende pelo nome tonitruante de Omphalodes kuzinskyanae. Não nos deixemos intimidar pela onomástica: trata-se de uma espécie inofensiva, de vida curta -um ano-, herbácea (raras vezes se alça acima de um palmo de altura). O seu nome científico, escrito num latim nada clássico, assustador à primeira audição, encerra alguma poesia. (Recordem-se que os nomes científicos são binomiais: a primeira palavra -nome genérico- designa o género, a segunda -epíteto específico- designa a espécie propriamente dita.) Omphalodes significa, em latim derivado do grego, umbigo. O botânico que primeiro descreveu o género para a ciência (Miller, durante o século XVIII), quis ver no formato invulgar do fruto a forma (sensual?) de um umbigo, quem sabe se da sua amada. Insólita ou não, o facto é que a designação foi aceite e perpetuada nas poucas dezenas de espécies do género Omphalodes que existem (das quais apenas três ocorrem em Portugal). Kuzinskyanae, palavra capaz de deslocar irremediavelmente o maxilar a qualquer disléxico, é uma derivação de Kuzinsky, apelido um botânico polaco que visitou o nosso país em companhia de Willkomm, o naturalista alemão que descobriu esta espécie em 1889. Este último nomeou a espécie em homenagem ao seu amigo e colega científico. É importante notar que qualquer semelhança comportamental de Willkomm com os naturistas germânicos da Praia do Meco é meramente conjectural.

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