Serra da Aboboreira - o último bastião selvagem do distrito do Porto

Manuel Nunes (texto) e Jorge Nunes (fotografia)
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A Serra da Aboboreira, noroeste do distrito do Porto, é uma área ecologiamente muito interessante e de elevado valor de conservação que vale bem a pena conhecer. Apesar disso, não está incluída na rede nacional de áreas protegidas nem na Rede Natura.

Localizada no extremo noroeste do distrito do Porto e um espaço ímpar no que à conservação da biodiversidade da região do Douro-Litoral diz respeito, a Serra da Aboboreira constitui um maciço granítico de relevos moderadamente pronunciados, adstrito ao sistema montanhoso Marão/Alvão que, apesar da sua imensa riqueza e diversidade natural, permanece à margem da estratégia nacional de conservação da natureza.

Prolongamento sudoeste do sistema Galaico-Duriense a norte do rio Douro e contraforte granítico implantado no extremo ocidental do maciço montanhoso Marão/Alvão, muito próximo da área de transição entre duas regiões fitoclimáticas europeias – a Eurosiberiana, de cariz Atlântico, marcada por temperaturas amenas, fracas amplitudes térmicas e elevados índices de humidade atmosférica, situação bem patente nas regiões do noroeste português (Minho e Douro Litoral); e a Mediterrânica, vincadamente continental, de feição mais austera, com longos estios, temperaturas médias elevadas e grande secura, como ocorre em grande parte da região Transmontana – a serra da Aboboreira (965 m) é um maciço orográfico antigo, pouco extenso, com uma área aproximada de 100 km², de configuração subtrapezoidal e orientação nordeste-sudeste, delimitado por vales de vertentes abruptas, por vezes apertados e íngremes onde correm diversos cursos de água afluentes dos rios Tâmega e Douro (o Ovelha, a noroeste; o Ovil, a sul e sudeste; o Fornelo a nordeste; e o próprio Douro a sudoeste).

Fruto das alternâncias do relevo e das variações microclimáticas acentuadas, quer pela relativa proximidade ao Atlântico, situação que confere a este relevo um acentuado cariz oceânico, com a ocorrência de temperaturas amenas e precipitações abundantes (1500 e 2000 mm anuais), quer pela influência da interioridade continental, da qual decorrem, verões em geral relativamente secos, o que traduz uma influência (sub)mediterrânica, a Aboboreira apresenta um mosaico gradativo e diversificado de ambientes naturais, onde áreas cultivadas e moderadamente intervencionadas pelo Homem alternam com vastas zonas selvagens de habitat natural ou seminatural. Com efeito, resultado da milenar acção humana – o povoamento da serra da Aboboreira remonta ao período de 5000-4500 a. C., altura em que terão surgido os primitivos povoados em plataformas próximas de linhas de água bem como as primeiras estruturas funerárias (antas ou dólmenes) que haveriam de dar corpo, entre o início do IV milénio a.C. e os meados do II milénio a.C., a uma vasta necrópole megalítica, das maiores que actualmente se conhecem em território português, com cerca de 40 tumulus identificados – e das peculiares condições geoclimáticas, a Aboboreira apresenta uma assinalável diversidade e diferenciação na sua cobertura vegetal, designadamente nos andares superiores, onde subsistem as relíquias botânicas deste espaço montanhoso. Assim, para além de algumas espécies florísticas que se destacam pela sua raridade ou carácter endémico, como acontece com a Scilla ramburei subsp. Ramburei, uma planta rara em Portugal, comum em urzais e afloramentos rochosos sombrios; ou a Centaurea hermini subsp. Lusitana, uma planta frequente nas clareiras de matos secos em zonas de solos pobres e que constitui um endemismo português, listado no Anexo II da Directiva Habitats (92/43/CEE), o realce vai para as manchas remanescentes de carvalhais galaico-portugueses, bosques climatófilos de carvalho-alvarinho (Quercus robur), os últimos do distrito do Porto e dos melhores conservados do maciço Marão/Alvão/Aboboreira, que sobrevivem em vales abrigados entre os 600 e 750 metros de altitude. Estes bosques de carvalho-alvarinho da serra da Aboboreira que, por vezes, surgem em associação com outras Quercíneas como o sobreiro (Quercus suber) e o carvalho negral (Quercus pyrenaica), sobretudo nas áreas de solos mais secos, ou nas encostas mais soalheiras, enquadram-se, do ponto de vista fitossociológico, na associação Rusco aculeati-Quercetum roboris e albergam inúmeras espécies de plantas arbustivas e herbáceas da flora nemoral, como o azevinho (Ilex aquifolium), a aveleira (Corylus avellana), o catapereiro (Pyrus piraster), a gilbardeira (Ruscus aculeatus) e a saxífraga (Saxifraga spathularis).

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